Certa vez o Mestre observava um rebanho de carneiros que avançava lentamente conduzido por pastores. Chamou-lhe a atenção uma ovelha com dois cordeirinhos, sendo que um deles, ferido, caminhava penosamente. Buda tomou o cordeirinho ferido em seus braços e exclamou:
- Pobre mãe, tranquiliza-te. Para onde fores, levarei teu querido filhote. - E pensou: "É preferível impedir que sofra um animal, a permanecer sentado nas cavernas contemplando os males do universo."
Sabendo pelos pastores que, por ordem do rei, o rebanho seria levado, à noite, para o sacrifício e imolado em honra aos seus deuses, Buda então falou:
- Quero ir convosco. - E os seguiu pacientemente, carregando o cordeirinho nos braços.
Chegando à sala dos holocaustos, observou os brâmanes recitando mantras e avivando o fogo que crepitava no altar. Um dos sacerdotes, apoiando a faca no pescoço estirado de uma cabra de grandes
chifres, exclamou:
- Eis aí, ó deuses, o princípio dos holocaustos oferecidos pelo rei Bimbisara. Regozijai-vos vendo correr o sangue e gozai com a fumaça da carne tostada nas chamas ardentes. Fazei com que os pecados do rei sejam transferidos a esta cabra e que o fogo os consuma ao queimá-la. Vou dar o golpe fatal.
Aproximando-se, Buda disse docemente: - Não a deixeis ferir, ó grande rei! - E ao mesmo
tempo desatou os laços da vítima, sem que ninguém o detivesse, tão imponente era seu aspecto.
Então, depois de haver pedido permissão, falou da vida que todos podem tirar, mas ninguém pode dar. Da vida que todas as criaturas amam e pela qual lutam. A vida, esse dom maravilhoso e caro a todos, mesmo aos mais humildes, um dom precioso para todas as criaturas que sentem piedade, porque a piedade faz o homem doce para com os débeis e nobre para com os fortes. Emprestou às mudas bocas do seu rebanho palavras enternecedoras para defender sua causa; demonstrou que o homem que implora a clemência dos deuses não tem misericórdia, ele que é como um deus para os animais. Fez ver que tudo o que tem vida está unido por um laço de parentesco, que os animais que matamos nos deram o doce tributo
do seu leite e de sua lã e colocaram sua confiança nas mãos dos que os degolam. E acrescentou:
- Ninguém pode purificar com sangue sua mente; se os deuses são bons, não podem comprazer-se com o sangue derramado; e se são maus, não podem lançar sobre um pobre animal amarrado o peso dos pecados e erros pelos quais se deve responder pessoalmente. Cada um deve dar conta de si mesmo, segundo esta aritmética invariável do universo, dando a cada um sua medida segundo seus atos, suas palavras e seus pensamentos; esta lei exata, implacável e imutável vigia eternamente e faz com que todos os futuros sejam frutos do passado.
Falou assim, com palavras tão misericordiosas e com tal dignidade, inspirado pela compaixão e justiça, que os sacerdotes se despojaram dos seus ornamentos e lavaram suas mãos vermelhas de sangue. E o rei, aproximando-se, saudou o Buda com as mãos juntas.
Passagem maravilhosa...Percebemos que o estado de epirito diante das cituações e´ o que realmente modifica as coisas.
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